domingo, 11 de agosto de 2013

Pai,
Todo começo é difícil. O da carta, o da conversa, o da música, o da vida que já principia berro, barro: todo começo é uma birra. Esse começo é uma birra entre o ideal perfeito na cabeça e a idéia atrofiada no papel, entre o que se quer dizer e o que se diz de fato, a diferença essencial entre a palavra que sai da boca uma e entra no ouvido tão outra.
Tenho montes de coisas pra lhe dizer, nada que você não saiba. Ou melhor, que não são coisas de serem sabidas para além daquele pressentimento levemente consciente, e às vezes nem isso, vai saber, nada que você não intua.
É noite e já é dia, dos homens, das crianças, dos deuses, dos cachorros, dos pirilampos e dos pés-de-mamão, dos pais, e quê são pais, agora me veio a cabeça, um pai é como um país, provavelmente a semelhança da sonoridade que me atraiu, sim, um pai é um país, ou quase. É essa afetividade que se entende por natural, e talvez seja um pouco, mas grande parte dela, se não a maior, foi construída, edificada, como o sentir-se nação;  um pai é uma pátria de certa forma, e essa nacionalidade paterna não se torna menor porque criada, penso até que se torne mais: é preciso escolher construí-la, ainda que ela seja embutida em você desde o tempo do qual nem recordações se tem, fazer parte, ficar onde se está é também uma escolha, prosseguir com ela; a flor já existe, mas se não for regada morre.
Franz Kafka escreveu uma carta pro seu pai também. Mais objetiva, e mais específica, e bem maior, um conjunto de ressentimentos e justificativas pelas primeiras dez páginas que li e não pretendo imitar. Acho que somos muito parecidos, eu e você, agora, ontem já achava que não, talvez ontem não fossemos, mas não importa. Isso é muito difícil pra qualquer coisa em mim, às vezes. Vejo espelhos por toda parte e isso me sufoca. Não. Me sinto espelho em toda parte, o que é pior, se não for quase o mesmo. Por isso me quebro, me despedaço em caquinhos por dentro vez em quando, despeço coisas em mim que julgo não serem minhas, xenófoba que sou.
É só que preciso de ar. Preciso descobrir em mim, de mim, o que já sei, o que já sonho. É que em mim é aguda a consciência da alma, a vontade dela, e bem sensata a noção de que uma alma não deve, não pode mandar em outra. Um preto velho já me disse do meu espírito curumim, e nem sei, porque ele parece tão pesado e velho as vezes, mas talvez seja, porque minha alma precisa se provar. Uma de suas frases que mais odeio, “quem não vive pra servir não serve pra viver”, bem, eu não sirvo pra viver, quem sabe eu odeie tanto porque a carapuça sirva, escrachado mesmo, só sei servir enquanto me convém, quem sabe isso mude, espero que mude, por enquanto é assim, ou talvez só não tenha tido oportunidade de descobrir o contrário.

Gratidão é virtude, talvez a mais difícil delas, às vezes não me atrevo, mas tem horas em que é imprescindível, como agora: obrigada.

sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Explícito

Gravei em um cantinho pequeno em mim, o som do seu sorriso
o jeito como os seus dentes perfeitos aparecem e o modo como seus olhos ficam menores.
Guardei o modo de como seus olhos ficam menores e sua sobrancelha se mexe de forma engraçada. Guardei também seus cílios, quase se encostando, escondendo a cor do licor de jaboticaba que tens nas tuas duas pequenas janelas. Lembro da cor do teu cabelo, meio mel, meio castanho. Tão bonito.
Guardei o modo de como tu sorri quando te acordo pela manhã, alisando tua barba.
O jeito que tu sussurra "bom dia" e vem me dar um beijo, depois me abraça forte e volta a dormir.
Eu sei quando tens pesadelo. Tu me acordas no meio da noite e me pede um 'xero'. Gravei na memória o jeito de como você anda, um tanto torto, quando sóbrio. Parece que dança, quando bêbado. Eu lembro daquele dia em que tu chorou, de noite. Eu lembro como fico com saudade quando você não tá por perto. Permita-me roubar uma expressão: "Me sinto como se estivesse sem um braço ou uma perna".  Mas é assim mesmo, fico incompleta e tento me completar com as outras coisas, para me distrair. Saudade as vezes é bom. Antes de dormir, lembro de como é bom dormir te abraçando. Parece que eu te protejo, e não ao contrário. Queria que tu soubesse que eu queria te fazer uma pessoa melhor, assim como tu faz comigo, quero que tu seja feliz, como sou contigo, quero que tu se sinta bem, assim como eu me sinto. Quero que tu seja livre e queira ficar, assim como eu decidi desde que te conheci. Quero muito o teu bem, meu bem.

sábado, 3 de agosto de 2013

Descartável

A gente se perde um pouquinho a cada dia, a cada pequena tristeza um pedacinho da gente vai morrendo. Até que tudo se esvai e não se sobra nada além de mágoa.